quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O que faz um dominador?

O que faz de alguém um dominador é uma pergunta que nunca sai da minha cabeça. Isso porque se dominação é um eixo organizador do BDSM, não existe exatamente uma instância de controle que certifique alguém como "dominador de fato". A não certificação em certa medida é nossa salvação, afinal, poderíamos dizer que existem tantos tipos de dominador quanto pessoas que se chamam dessa forma. Em todo caso, não dá pra abrir mão de pensar os efeitos que isso tem sobre situações concretas. Pensemos com situações.

Tank e Dylan Hafertepen são nomes conhecidos no cenário BDSM internacional. Caso você não os conheça, quiça uma busca rápida ao google te leve direto às notícias sobre a morte de Tank. Dylan se tornou famoso pelos inúmeros procedimentos cirúrgicos e pela utilização de esteróides de modo a adequar o seu corpo a proporções mais volumosas. Seu pretensão era de uma silueta ursina musculosa notabilizada pelas coxas e braços volumosos e o tronco reto. Dylan tinha uma espécie de harém com subs que também adotavam a mesma estética e, provavelmente, com práticas similares. No final de 2018, a relação de Tank e Dylan ganhou as páginas dos notíciários em razão do falecimendo de Tank após injetar silicone nos testículos, prática adotada por Dylan e outros do grupo. Segundo noticiado em diversos canais, além de rumores e comentários, as injeções de silicone eram recomendações de Dylan que além disso mantia outras práticas consideradas persecutórias e abusivas com seus subs.O BuzzFeed escreveu uma reportagem relatando de forma mais detalhada o ocorrido, e caso queira lê-la, basta vir aqui.

Uma segunda cena, dessa vez mais curta, é um debate que acompanhei no FetLife. Para aqueles que não conhecem, o FetLife é uma rede social fetichista que concilia ferramentas como grupos de discussão baseado no compartilhamento de interesses, além de perfis pessoais de pessoas de vários lugares do mundo que tem interesse em práticas fetichistas e BDSM. Em muitos aspectos é semelhante ao Orkut ou ao Facebook, com a vantagem de não ter parentes, de você poder criar redes de vinculação mais flexíveis (rope families, clans, ter múltiplos parceiros por exemplo) além de permitir possibilidades de autoidentificação em termos de gênero, orientação sexual e interesses. A maior parte das informações circula em inglês e aqui no Brasil ainda há poucos usuários. De todo modo é um espaço interessante pra se pensar e ver como outras pessoas discutem aspectos interesantes de suas experiências, além de registrá-las. Em um desses debates que me chegou de modo quase aleatório, uma moça submissa escrevia sobre a noção de 'masculinidade tóxica' (se você não sabe de que se trata, clique aqui). Com base em um critério linguístico ela argmentava que esse conceito era falso e não podia ser aplicado porque no fim não se poderia ou deveria adjetivar pessoas com formas de classificação desse gênero, usualmente atribuídas a coisas. Os comentários se replicavam chegando a quase uma centena. Muito deles aplaudiam e concordavam, pessoas com diversas formas de identificação, fossem mais propensas a uma postura mais ativa, fossem propensas a algo mais passivo. Poucos se opunham ao comentário.

Por fim, uma terceira situação ocorreu ainda essa semana, dessa vez pelo Instagram. Em uma de suas sessões de perguntas e respostas o Marcus respondia a pergunta de uma pessoa perguntando se haviam homens dominadores passivos no Brasil. A resposta muito cortês e educada foi de que sim, bastava procurar e ser um pouco paciente, já que não seria a combinação mais comum de encontrar. 

O que essas três situações tem em comum? Em que medida elas podem ajudar a responder a pergunta lá no começo? Bem... de modo imediato poderíamos dizer que elas falam sobre as ideias que temos sobre o que signifique ser dominador, mas em última instância elas também dizem muito sobre o que entendemos como um homem deva se comportar. 

Petraios & Sepher | Junho/2018

Em alguns momentos devo ter repetido aqui que o modo como entendo BDSM é como uma espécie de erotização do poder. Em miúdos isso significa que quando algo que chamamos de BDSM nos excita, parte disso é pela suposição de ordem e controle, de que alguém está a cargo da situação ou sendo coagida por ela. É isso que em alguma medida faz com que pensemos que um submisso que se excita em ser desumanizado e um dominador que se coloca como o homem mais poderoso no fim das contas estejam falando sobre a mesma coisa. Mas isso é também o que faz com que figuras como dominatrix sejam tão fascinantes, afinal, quando se trata de subversão, algo só é excitável quando entende-se que a ordem do mundo concreto é de outro tipo, daí mulheres trantando homems como coisas ser algo excitável só faz sentido quando se supõe que a ordem social no mundo exterior opera de modo contrário. Um dominador ou uma dominatrix, nesse quadro geral é alguém que representa a condensação máxima de controle. E é esse o ponto que nos interessa aqui. Quais as responsabilidades que assumir o controle de algo sugere?

Com a popularização do BDSM nos últimos tempos tem ocorrido a sensação de que o número de dominadores - e talvez também de submissos e submissas  tem aumentado. Se isso é verdade ou apenas efeito da possibilidade de encontrar essas pessoas, é algo a se discutir. O fato é que mais gente se reconhecendo dessa forma significa mais gente disposta a tentar formas de sexualidade não tão habituais da nossa tacanha educação sexual e de gênero, mas também significa que eventualmente estejamos chamando de dominação um certo conjunto de comportamentos que são apenas violentos e grosseiros. Quem lê as postagens aqui já deve ter entendido minha posição a esse respeito. Caso não, é bom voltar algumas postagens e acompanhar, mas em resumo, se trata de buscar o que diferencia práticas sexuais extremas e violentas de práticas com posições hierarquizadas e de erotização da força e controle. Falo isso com a intuição quase convicta de que certas pessoas que se pensam como dominadores talvez sejam apenas escrotas e sem noção, e poderíamos dizer o mesmo para submissos, talvez.

Desautorizar alguém na sua possibilidade de autorreconhecimento como dominador ou submisso não significa rejeitar que o que ela esteja fazendo ao exercer sua sexualidade seja inadequado. Com isso quero dizer que qualquer prática deve prezervar a possibilidade de diálogo e construção conjunta entre dominador e submisso. Os acordos são a principal riqueza e segurança de uma prática, de modo que se é de consensual entre as partes a adoção de uma conduta específica não há muito o que objetar. Apenas tome as providências para que isso seja realizado da forma mais segura e sã possível. Mas nem sempre isso parece acontecer. E é aí que devemos estar alertas. Uma das coisas que faz com que eu me sinta seguro e tranquilo em relação ao BDSM é a convicção de que uma negativa sempre vai funcionar. Quando eu digo ou um sub ligado a mim diz não ter interesse em uma prática, isso significa que naquelas circustâncias e momentos é fora de cogitação que isso possa acontecer entre as pessoas envolvidas. "Acordos" não acordados não prezam por esse princípio e podem machucar e expor as partes a situações de risco, e mesmo certas situações de risco estabelecidas como consensuais devem ser pensadas em seus limites. Entre sugerir a seus subs uma certa estética corporal e expô-los a situações de vulnerabilidade e perigo há um limite nem sempre claro, de modo que precismos estar atentos e sermos responsáveis.

Soa um pouco clichê e demasiado "desconstruído", mas as ideias de consensualidade e segurança são bases fundamentais, clássicas e atuais para qualquer prática BDSM. São elas que garantes o aspecto são de uma experiência. O que faz de alguém dominador talvez deva ser o grau de comprometimento e responsabilidade que ele demonstra ter com aqueles que se submetem e o respeitam, isso porque é sua função principal como criador de uma experiência, mas também porque acreditem ou não, não existe dominador sem submisso. Precisamos posivitar as nossas ideias de hierarquia e entender que mesmo um dominador só é dominador em certas situações e momentos que devem ser estabelecidos entre aqueles que cabem. No fim, se temos tantos dominadores atualmente, esse pânico numérico devesse ceder à ideia de que todo dominador é dominador para um certo alguém, não para todos. 

sábado, 19 de janeiro de 2019

lien (un exercise de poèsie)

Ses bras étaient bleus
les pieds sous le sable
ses sentiments se sont effondrés
courait une rivière du bord de vos yeux

sous le clair de la lune
de toutes les nuits
Je m'étriens
et m'occupe de sa vie

Quand il tombait
Je prendrais toutes mes cordes
et au cas où il n'y avait pas d'espoir
Je lui ai dit d'être sous mes ailes

mot par mot
j'attrape tous ses vêtements
les mets dans un vase
et j'appelle ce coeur

Quand la faiblesse est près de toi
le meilleur moyen de devenir fort
se repose dans le coeur de votre maître

chaque veine
rempli de liens

liés ensemble
comme deux mains
fort
comme un coeur de granit

{"lieu", 16.01.2019 | M.P}

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Kinbaku - uma breve história do bondage japonês

Dando continuidade ao debate sobre técnicas de bondage, nesse post apresento uma tradução de um artigo publicado na Vice que sintetiza alguns aspectos da história e elementos do Kinbaku, ou como se costuma falar, o shibari. 

Apesar de eventualmente serem usados como sinônimos, essas duas palavras remetem a concepções diferentes sobre a expressão japonesa do bondage. Kinbaku é a transliteração da palavra japonesa  緊縛, que conforme os dicionários consultados é marcado como substantivo e refere-se a duas coisas: (a) em um sentido estrito, kinbaku é o efeito de algo que é amarrado de forma apertada, forte; e, (b), em um sentido mais amplo, ele se refere ao aspecto emocional de estar amarrado. Já shibari apresenta-se tanto como verbo e como substantivo. É a transliteração de  縛 que significa "amarra" ou "amarrar", agrupar algo a partir de uma ligação, conforme os dicionários.

As distinções entre shibari e kinbaku são importantes de serem apreendidas tendo em vista que, em sua dimensão mais precisa, a noção japonesa da prática tal como experimentada por essas pessoas diz respeito não apenas a um conjunto de procedimentos técnicos, mas de fato à construção de uma atmosfera onde uma certa experiência pode ser possível. O artigo apresenta algumas dessas questões. 

Assim como nas demais traduções, optei por fazer alguns recortes e reformulações quando necessário tendo em vista que o propósito aqui não é exatamente o mesmo daquele publicado pela Vice. Caso queira ler a versão em inglês, clique aqui. Considerando que o universo das sociedade e cultura japonesa podem ser um tanto distante para alguns dos leitores, tanto como possível tentei aproximar as referências, por vezes através de glosas ou adaptações de termos que fazem referência a momentos, contextos, pessoas e estéticas específicas, quanto através de links que podem encaminhar à visualização ou leitura a partir de outras fontes. Agora, divirtam-se!

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Uma breve história do Kinbaku

Alinhamentos rígidos, design complexos e nós que fariam qualquer marinheiro corar estão juntos na arte do Kinbaku, o bondage erótico japonês. A prática está presente em esculturas, performances e danças a dois; mais que isso, atualmente você não pode ser fetichista sem tê-la visto. Artistas e entusiastas tem adotado a prática, trazendo doses dela para o público através de revistas de moda e galerias de arte, por exemplo. Uma busca rápida pela hashtag #kinbaku no Instagram reporta uma rolagem extensa, com mais de 60.000 fotos marcadas.

Para o não iniciado, Kinbaku pode ser visto como a última tendência pop no BDSM, mas a tradição Kinbaku estende-se por séculos antes de chegar aos buracos e lastros mais pervertidos das redes sociais. Os antecedentes históricos incluem as representações na Shunga, a arte erótica japonesa usada como forma de educação sexual para recém-casados, assim como aparece também no Shijuhatte, a versão japonesa do Kama Sutra. A ilustração "O Sonho da esposa do pescador", datado  do início do século XIX e de autoria de Katsushida Hokusai, é uma referência icônica à arte japonesa dos nós em corda. Essa espécie de xilogravura bastante típica do ukiyo-e (traduzido em português como 'pinturas-brocado), uma forma de expressão dos modos de vida urbanos do momento, apresenta o êxtase de uma mulher tomada por um polvo. Os tentáculos do animal simultaneamente estimulam e se entrelaçam ao corpo da mulher, assemelhando-se a uma espécie de corda.

O sonho da esposa do pescador, Katsushika Hokusai, 1814

Assim como as ferramentas ocidentais de subjugação passaram a ser sujeito nas elaboração das fantasias, as cordas tiveram um padrão de expressão semelhante. As correntes usadas para ancorar donzelas em perigo nos contos de fada ocidentais encontram seu correlato na corda que subjuga os prisioneiros no folclore japonês. Em um texto central sobre o assunto, Master K, professor e autor do livro "The Beauty of Kinbaku" explica que shibari, o termo geral para a amarração em corda, teve uma miríade de práticas e funções decorativas ao longo da história do Japão, nas oferendas rituais xintoístas, nas competições de sumô e na tradição do quimono. Sua adoção em um contexto de prática erótica é simplesmente uma outra aplicação das cordas - uma ferramenta inextrincável da própria cultura japonesa. 
Durante a era Edo, a classe samurai dominante usava cordas em combate e para conter prisioneiros de guerra em uma arte marcial chamada 'hojojutso', uma prática brutal que tem alguma proximidade com o kinbaku contemporâneo. Naquele período, entre os séculos XVII e XIX, as leis criminais oficiais do xogunato Tokugawa usavam nós para torturar e exortar a confissão da cativos, assim como exibir supostos criminosos. Na exibição pública, correlacionava-se de forma legível o tipo criminal e a amarração a ser utilizada na administração da pena, de modo que se criar uma advertência clara para a multidão de observadores. 
No começo do século XX, o teatro kinbaku começou a adotar nós em corda em uma forma estética e performática elevada, apresentando os primórdios disso que hoje reconhecemos como kinbaku. A técnica do hojojutso foi reimaginada, assim os atores poderiam recriar os movimentos de forma segura no palco, resenhando-a em uma estética mais encorpada e dando ao público uma experiência visual mais proeminente.
Após a Segunda Guerra Mundial, as revistas fetichistas nos dois lados do Pacífico passaram a apresentar registros provocativos de kinbaku, primeiro em ilustração e depois através de fotos. Revistas populares como Kitan Club e Uramado eram trocadas com os mastros fundadores do underground americano, como a revista Bizarra, começando a polinização cruzada entre duas culturas fetichistas do globo, o que persiste até hoje. 
"Ten tied woman", dez mulheres amarradas, ilustração de Kitan Reiko.
A ilustração compõe uma das edições da revista Kitan Club, datada de 1952

Para um olho não treinado, no fim o Kinbaku não parece tão diferente daquele de suas raízes nas práticas de tortura; contudo, adeptos exaltam as virtudes e prazeres do "sub space" no qual um parceiro submisso acessar um estado meditativo altamente terapêutico - encontrando assim, como mencionado por muitos entusiastas dizem, libertação na restrição. "Quando feito de maneira adequada, kinbaku não é doloroso. É completamente sensual", diz Master K em uma entrevista. Conforme argumenta, a prática estimula zonas erógenas, liberando endorfina e dopamina para o cérebro de modo que, continua, "você pode sair de uma sessão de kinbaku sentindo cada parte sua relaxada assim como se tivesse acabado de sair de uma sessão de hot yoga".

Cordas - introdução e modos de usar

No conjunto de práticas que me interessa de forma mais íntima, o bondage é sem dúvidas aquela pela qual tenho maior predileção. De forma geral, bondage reúne una série de práticas e cenas nas quais o interesse é a contenção de alguém, sua imobilização e restrição ao movimento. Ao pensar em bondage é comum que a associação mais imediata seja com as cenas de captura, onde alguém está imobilizado. Em uma cena erótica, a imagem da imobilização é feita usualmente através de cordas.

Existem tantas formas como meios para executar bondage quanto a imaginação permitir. Se lembrarmos que o princípio básico é restringir o movimento, isso pode ser feito com auxílio de cordas, correntes, tecidos (lençóis e bandanas, por exemplo), algemas, além de fitas de alta resistência.

Corda em sisal (Paraíba, 2017)

Bondage, desde minha perspectiva, talvez seja o elemento mais sofisticado do BDSM, não apenas porque demanda um certo aparato de instrumentos para ser realizado, mas também porque para ser significativo e bem realizado requer que se abandone a lógica das sessões eventuais com pessoas aleatórias. Talvez você encontre algum prazer nessa dinâmica, mas nada substitui a possibilidade de se vincular a alguém e construir uma relação de confiança e intimidade que permita a adoção de práticas onde a posição indefesa e as lógicas de cuidado são tão profundas. Eu costumo dizer que amarrar alguém, seja por quais métodos forem, é entregar-se ao controle e aos interesses que nem está com o controle, é expor sua vulnerabilidade e se deixar ser cuidado. Isso requer confiança, intimidade e sensibilidade de ambas as partes, acordos claros e compromisso de cumpri-los.

O objetivo final de uma prática de bondage não costuma ser propriamente a imobilização; ao contrário, se trata de conter e controlar o parceiro a partir da imobilização. Imobilizar alguém é um meio para um fim alternativo, não o fim em si. O fim pode ser um castigo ou recompensa, disciplinamento, suspensão, exaustão física, controle de estímulos, enfim. A criatividade está aí no mundo pra ser explorada.

O propósito desse texto é introduzir alguns aspectos relativos às práticas de bondage e aqui minha atenção inicia recai sobre o elemento mais imediato de qualquer pessoa que pense nisso: as cordas. Vamos falar sobre alguns aspectos técnicos e de composição que dizem respeito a como elas são incorporadas em uma experiência fetichista.


O que é uma corda e como ela é feita?
A pergunta pode parecer boba, mas entender o que é uma corda é importante no contexto de práticas onde se demanda as propriedades que uma corda supõe ter. De maneira mais simples, uma corda é a combinação de fibras vegetais ou sintéticas que são torcidas e trançadas umas às outras. O objetivo da torção é aumentar a resistência da fibra, bem como seu cumprimento já que pequenos pedaços podem compor uma unidade maior.

A depender do tipo de fibra usada, a corda pode ter um tempo de vida maior ou menor. Quando se trata de fibras sintéticas, é mais comum que se utilizem combinações ou porções pura de nylon, poliéster e polipropileno. Já as fibras naturais incluem sisal, cânhamo, juta, algodão, juta e linho. Há também a possibilidade de fazer cordas secundárias, utilizado fibras trançadas para outros fins, como acontece com cordas de seda e cetim, usualmente feitas a com fibras produzidas para ser usadas como tecido e que podem ser trançadas com o aspecto estético e funcional de cordas.

Essas são as cordas que costumo usar com mais frequência. Aqui se vê cordas prontas e trançáveis.
Na sequência: tecido em cetim para trançar cordas, cordas em algodão 8mm, corda de poliamida e sisal.
Conforme o material utilizado para compor a corda, é necessário também a incorporação de outros procedimentos além da própria torção ou trançamento. Esses procedimentos podem ser prévios (como o cozimento da fibra e sua secagem) ou posteriores (quando precisa-se encerar os cordames ou mesmo a corda toda para nivelar a incorporação dos filamentos).

Tipos de corda
É comum que em termos técnicos as cordas sejam chamadas de "cordame", ou cabos. Isso se dá, geralmente, em função do contexto para o qual as cordas são usualmente produzidas em sua maioria: a pesca. Isso cria também as formas de classificação pelo qual elas são organizadas. Essa classificação é feita com base no diâmetro do cordame (usualmente indicada em milímetros) que pode ir de menos de meio centímetro até mais de quatro centímetros. Nesse contexto, são consideradas verdadeiramente cordas aquelas com diâmetro entre 1,3 a 3,8 cm. As menores que isso são chamadas de cordão, e as maiores de amarra.

Além da classificação em virtude do diâmetro, outra forma de classificar as cordas é em virtude das técnicas de torção ou trançado utilizadas na produção. Essa aliás é a primeira forma de divisão: cordas torcidas e cordas trançadas.

As cordas torcidas costumam ser compostas por milhares de filamentos que são ajuntados e retorcidos uns aos outros, criando assim uma maior resistência. A diferenciação entre esses tipos de corda é em virtude da quantidade de "pernas", o que pode ser percebido olhando as pontas.

As cordas trançadas são aquelas feitas através da composição da fibra e seu aglutinamento em um sistema de intercalamento. Aqui as formas de classificação interna são maiores: com ou sem alma (a depender do preenchimento do núcleo interior com algum filamento), com alma e alerta visual (caso de cordas que tem alguma função específica de sinalização, onde o padrão estético é parte das suas características) e cordas para fins especiais (em esportes como vela, escalada, ou em atividades marítimas e de pesca específicas). Caso queira saber mais sobre esse aspecto no caso de cordas para uso naval, confira esse link, aí estão ilustrados os principais tipos de corda e as diferenças entre elas.


Como escolher e encontrar cordas
Atualmente a maior parte das cordas que consumimos é feita para fins de pesca ou para compor mecanismos e equipamentos de construção, como roldanas e elevadores mecânicos simplificados. Isso, em alguma medida, nos ajuda a entender quais os limites uma determinada corda pode ter e sua adequação ou não para um uso entre pessoas humanas. Suponha que você vá a uma casa de construção em busca de uma corda. Para esse fim é comum que se adotem materiais sintéticos, que além de baratear o processo de construção da corda, também viabiliza resistência às altas cargas e necessidade de tração que esses contextos demandam. Contudo, quando se trata de uma artesania como o bondage, essas cordas sintéticas podem machucar, criar ferimentos e incômodo no corpo da pessoa amarrada.

Para práticas de bondage, é mais comum adotar cordas de juta, sisal, cânhamo e algodão. As de algodão são sem dúvidas as mais fáceis de achar, eventualmente as mais baratas além de possibilitar uma maior variedade em termos de coloração, criando efeitos estéticos interessantes. Na relação entre custo e benefício, elas tem uma durabilidade razoável, são fáceis de encontrar, resistentes e leves. As de juta, contudo, são as melhores cordas por agregarem um conjunto de qualidades superior, entre elas a resistência e conforto, mesmo que não sejam as mais baratas.

Os principais aspectos a se considerar ao escolher uma corda são o material e o diâmetro. Ambos quando combinados garantirão a segurança da prática. Nesse aspecto, esteja atento a de que forma você pretende usar e que tipo de corda é mais indicada. Quando se trata de fibra, as naturais são sempre mais indicadas. Aquelas confeccionadas com juta, algodão e seda são as mais usadas no contexto das práticas de bondage pois além dos efeitos estéticos, tem maior durabilidade e resistência. Considere que quanto maior a necessidade de resistência, maior terá de ser o diâmetro da corda, sendo assim, se é possível usar cordas com diâmetro restrito em práticas de imobilização simples, uma experiência de suspensão demandará diâmetros maiores e materiais mais resistentes.

Considere também o tempo de duração da exposição à corda. A torção e a marca da corda na pele ainda que seja excitantes podem incomodar após certo período a depender do material e do próprio nível de conforto da pessoa amarrada.

Uma última nota. Pode parecer incrível, mas as cordas não foram confeccionadas para nós. Os nós são a principal característica do uso fetichista em técnicas como kibanku oki, mas a depender da fibra no qual eles são feitos, ele reduz a resistência da corda em até 40%, de modo que é preciso estar atento ao equilíbrio entre material, uso, resistência e contexto.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Castidade masculina para iniciantes

as viagens se fazem para dentro
Henry Miller

Já há algum tempo tenho estado demasiado ocupado a ponto de não conseguir dar conta de finalizar alguns textos rabiscados aqui, tampouco de retomar os relatos dos últimos acontecimentos e encontros que tenho tido. Em breve estarei de volta com isso, mas até lá deixo vocês com esse texto sobre formas de se introduzir no universo da castidade para homens. 

Old Rusty Lock, de Stephanie Sodel
(aquarela sobre papel algodão, 2013)
A ideia de castidade me era um tanto estranha até pouco tempo. Era estranha porque, ainda que eu fosse muito bem resolvido em relação à expressão não compulsória de certos costumes que incorporamos como sentidos de "sexo" (ejaculação e penetração, por exemplo), a ideia de ter o controle sobre a possibilidade de excitação/ereção não me estimulava tanto. Contudo, as coisas mudam e na vida cada encontro provoca em nós a possibilidade de se repensar e aprender coisas novas. Foi através de um sub, o #52, que eu comecei a pensar nessa possibilidade. Certo dia, durante um encontro e após termos conversado algumas vezes sobre a questão, ele me apareceu com um dispositivo de castidade reluzente, todo em prata. Já o vestia, e em um colar que envolvia seu pescoço estava o pequeno molho com três minúsculas chaves. Nossa relação já se estendia por alguns meses e nos sentimos confortáveis para transformar nossas leituras e conversas em uma experiência de disciplinamento de minha parte, e submissão por parte dele. Desde então tenho tentado me aprofundar na compreensão de, na posição de dominador e mestre, construir formas de cumplicidade onde a castidade dos meus subs e adoradores seja possível. 

Esse texto é uma introdução a esse debate sobre castidade, submissão, contratos e cumplicidade entre dominadores e seus servos. Ele foi publicado em uma revista eletrônica de uma rede social voltada à BDSM e ao mundo do fetiche, e para lê-lo na sua versão em inglês basta clicar aqui. Optei por fazer alguns cortes de modo a adaptar a leitura para um contexto diferente daquele e também para torná-la mais fluída. Em breve retomo a questão com alguns apontamentos pessoais baseado em minhas experiências para avançarmos mais um pouco.

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Castidade masculina: um guia para iniciantes

Qual é o ato mais extremo de dominação e controle? alguns podem vir a dizer que seja a castidade. Muitos homens submissos curtem estar enjaulados, presos (locked up) em um dispositivo de castidade masculino, ter o orgasmo controlado por seu mestre ou mestra. 

Por onde começar?
Antes de estar preso à ideia de castidade masculina, você precisa estar preparados para alguns aspectos importantes. 

1. Converse com seu dominador/key holder( portador da chave):  Vocês precisam concordar em como as coisas funcionarão. Você poderá ter uma chave também ou apenas seu mestra/sua mestra terá acesso a elas? O que fazer em situações de compromissos de trabalho ou ocasiões familiares?

2. Escolha seu dispositivo
Há muitos estilos diferentes de dispositivos de castidade (cinto, ou "gaiola", como chamada por alguns em  português). Vocês precisarão escolher um que funcione melhor pra vocês. Procure algum que se ajuste a você confortavelmente, especialmente se você vai usá-lo por longos períodos. Você também precisa pensar sobre os aspectos práticos, como ir ao banheiro. Você conseguirá mijar usando a gaiola? A distância é grande o suficiente pra não te criar algum impedimento ou confusão? Você vai querer um com inserção uretral pra tornar mais fácil, ou com qualquer outra brincadeira que agregue camadas à relação de castidade?

3. Avalie os riscos
Não soa nada sexy, mas é essencial ter a melhor experiência de puto - especialmente quando se trata de jogos desse tipo. Pense em como as coisas podem dar errado e se prepare pra isso. Isso é imprescindível se o seu mestre ou key holder não vai estar perto de você todo o tempo. O que você pode fazer em casos de emergência? Você poderá ter uma chave caso precise tirar seu dispositivo de castidade rapidamente? Haverá algum tipo de acordo que permita com que você o retire quando requerido ou se você decidir que já foi o bastante? Talvez você possa ter uma chave reserva em algum lugar para situações emergenciais... quem sabe com um amigo que entenda a dinâmica, em uma caixa fechada com segredo, ou em um lugar, na sua casa mesmo, onde o acesso não seja tão fácil.


Entrando na gaiola, vestindo o cinto (de castidade)
Agora que está preparado, é hora de entrar na gaiola, de usar seu dispositivo de castidade. É melhor tentar começar usando seu dispositivo por curtos períodos de tempo, para ver como você se sente com ele. Use durante uma sessão para experimentar a restrição a um orgasmo, a provocação pela tortura e se acostumar a essas sensações e sentimentos. Daí você poderá fazer ajustes, se necessário.

Quando se acostumar a usar o dispositivo de castidade após alguns sessões, você pode seguir e usá-lo por um período maior de tempo. Verifique se seu dispositivo (e seu pau) está limpo quando estiver sob castidade. É especialmente importante que você limpe o dispositivo após mijar - talvez você não queira mijo alio, permanecendo na peça (a não ser que...). Caso sinta algum beliscão, dormência ou mudança na coloração do seu pênis ou testículo, você deve tirá-lo imediatamente, caso contrário está colocando-se seriamente em risco. E lembre-se da sua palavra de segurança (safeword) e use se necessário. Seu keyholder deve ter uma palavra de segurança também, assim ele pode acabar com a brincadeira caso queira. Ter consentimento de todas as partes envolvidas é essencial!

Castidade masculina não é fantasia
A sua fantasia de castidade pode ser o que tenha te levado a submeter-se a uma experiência desse tipo, mas tenha em mente expectativas realistas sobre o que pode vir a acontecer. Pode não ser exatamente como você espera, mas ainda assim pode ser uma coisa boa. Lembre-se de manter a comunicação com seu mestre key holder e não espere que apenas que ele siga sua fantasia até as últimas consequências. O portador é parte da cena também , e assim suas vontades e desejos também são importantes.  As melhores experiências de castidade e controle de orgasmo virão quando as pessoas envolvidas tiverem decidido o que vai acontecer e comunicado sobre suas expectativas e desejos.

O orgasmo controla a diversão
Quando o/a dominador/a tiver você engaiolado, ele/ela estará no controle do seu prazer. Há muitas formas de jogar que podem levar ao êxtase ou não. Isso depende do que o portador da chave decidir.  Talvez você tenha que agradar seu mestre com sua boca ou dedos, mas sem alívio pra si mesmo! Do contrário, ele ou ela poderá te fazer cócegas ou provocar a sentir uma ereção, forçando o dispositivo e seu pau um contra o outro, já que ali ele vai estar impossibilidade de crescer e sem chances de gozar.

E, é claro, você pode ser ordenado a provocar a si mesmo, assistindo um filme pornô ou lendo contos eróticos, mas sem permissão para gozar. Há muitas formas de jogar, tudo requer um pouco de imaginação - e maldade - do seu key holder.