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quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O que faz um dominador?

O que faz de alguém um dominador é uma pergunta que nunca sai da minha cabeça. Isso porque se dominação é um eixo organizador do BDSM, não existe exatamente uma instância de controle que certifique alguém como "dominador de fato". A não certificação em certa medida é nossa salvação, afinal, poderíamos dizer que existem tantos tipos de dominador quanto pessoas que se chamam dessa forma. Em todo caso, não dá pra abrir mão de pensar os efeitos que isso tem sobre situações concretas. Pensemos com situações.

Tank e Dylan Hafertepen são nomes conhecidos no cenário BDSM internacional. Caso você não os conheça, quiça uma busca rápida ao google te leve direto às notícias sobre a morte de Tank. Dylan se tornou famoso pelos inúmeros procedimentos cirúrgicos e pela utilização de esteróides de modo a adequar o seu corpo a proporções mais volumosas. Seu pretensão era de uma silueta ursina musculosa notabilizada pelas coxas e braços volumosos e o tronco reto. Dylan tinha uma espécie de harém com subs que também adotavam a mesma estética e, provavelmente, com práticas similares. No final de 2018, a relação de Tank e Dylan ganhou as páginas dos notíciários em razão do falecimendo de Tank após injetar silicone nos testículos, prática adotada por Dylan e outros do grupo. Segundo noticiado em diversos canais, além de rumores e comentários, as injeções de silicone eram recomendações de Dylan que além disso mantia outras práticas consideradas persecutórias e abusivas com seus subs.O BuzzFeed escreveu uma reportagem relatando de forma mais detalhada o ocorrido, e caso queira lê-la, basta vir aqui.

Uma segunda cena, dessa vez mais curta, é um debate que acompanhei no FetLife. Para aqueles que não conhecem, o FetLife é uma rede social fetichista que concilia ferramentas como grupos de discussão baseado no compartilhamento de interesses, além de perfis pessoais de pessoas de vários lugares do mundo que tem interesse em práticas fetichistas e BDSM. Em muitos aspectos é semelhante ao Orkut ou ao Facebook, com a vantagem de não ter parentes, de você poder criar redes de vinculação mais flexíveis (rope families, clans, ter múltiplos parceiros por exemplo) além de permitir possibilidades de autoidentificação em termos de gênero, orientação sexual e interesses. A maior parte das informações circula em inglês e aqui no Brasil ainda há poucos usuários. De todo modo é um espaço interessante pra se pensar e ver como outras pessoas discutem aspectos interesantes de suas experiências, além de registrá-las. Em um desses debates que me chegou de modo quase aleatório, uma moça submissa escrevia sobre a noção de 'masculinidade tóxica' (se você não sabe de que se trata, clique aqui). Com base em um critério linguístico ela argmentava que esse conceito era falso e não podia ser aplicado porque no fim não se poderia ou deveria adjetivar pessoas com formas de classificação desse gênero, usualmente atribuídas a coisas. Os comentários se replicavam chegando a quase uma centena. Muito deles aplaudiam e concordavam, pessoas com diversas formas de identificação, fossem mais propensas a uma postura mais ativa, fossem propensas a algo mais passivo. Poucos se opunham ao comentário.

Por fim, uma terceira situação ocorreu ainda essa semana, dessa vez pelo Instagram. Em uma de suas sessões de perguntas e respostas o Marcus respondia a pergunta de uma pessoa perguntando se haviam homens dominadores passivos no Brasil. A resposta muito cortês e educada foi de que sim, bastava procurar e ser um pouco paciente, já que não seria a combinação mais comum de encontrar. 

O que essas três situações tem em comum? Em que medida elas podem ajudar a responder a pergunta lá no começo? Bem... de modo imediato poderíamos dizer que elas falam sobre as ideias que temos sobre o que signifique ser dominador, mas em última instância elas também dizem muito sobre o que entendemos como um homem deva se comportar. 

Petraios & Sepher | Junho/2018

Em alguns momentos devo ter repetido aqui que o modo como entendo BDSM é como uma espécie de erotização do poder. Em miúdos isso significa que quando algo que chamamos de BDSM nos excita, parte disso é pela suposição de ordem e controle, de que alguém está a cargo da situação ou sendo coagida por ela. É isso que em alguma medida faz com que pensemos que um submisso que se excita em ser desumanizado e um dominador que se coloca como o homem mais poderoso no fim das contas estejam falando sobre a mesma coisa. Mas isso é também o que faz com que figuras como dominatrix sejam tão fascinantes, afinal, quando se trata de subversão, algo só é excitável quando entende-se que a ordem do mundo concreto é de outro tipo, daí mulheres trantando homems como coisas ser algo excitável só faz sentido quando se supõe que a ordem social no mundo exterior opera de modo contrário. Um dominador ou uma dominatrix, nesse quadro geral é alguém que representa a condensação máxima de controle. E é esse o ponto que nos interessa aqui. Quais as responsabilidades que assumir o controle de algo sugere?

Com a popularização do BDSM nos últimos tempos tem ocorrido a sensação de que o número de dominadores - e talvez também de submissos e submissas  tem aumentado. Se isso é verdade ou apenas efeito da possibilidade de encontrar essas pessoas, é algo a se discutir. O fato é que mais gente se reconhecendo dessa forma significa mais gente disposta a tentar formas de sexualidade não tão habituais da nossa tacanha educação sexual e de gênero, mas também significa que eventualmente estejamos chamando de dominação um certo conjunto de comportamentos que são apenas violentos e grosseiros. Quem lê as postagens aqui já deve ter entendido minha posição a esse respeito. Caso não, é bom voltar algumas postagens e acompanhar, mas em resumo, se trata de buscar o que diferencia práticas sexuais extremas e violentas de práticas com posições hierarquizadas e de erotização da força e controle. Falo isso com a intuição quase convicta de que certas pessoas que se pensam como dominadores talvez sejam apenas escrotas e sem noção, e poderíamos dizer o mesmo para submissos, talvez.

Desautorizar alguém na sua possibilidade de autorreconhecimento como dominador ou submisso não significa rejeitar que o que ela esteja fazendo ao exercer sua sexualidade seja inadequado. Com isso quero dizer que qualquer prática deve prezervar a possibilidade de diálogo e construção conjunta entre dominador e submisso. Os acordos são a principal riqueza e segurança de uma prática, de modo que se é de consensual entre as partes a adoção de uma conduta específica não há muito o que objetar. Apenas tome as providências para que isso seja realizado da forma mais segura e sã possível. Mas nem sempre isso parece acontecer. E é aí que devemos estar alertas. Uma das coisas que faz com que eu me sinta seguro e tranquilo em relação ao BDSM é a convicção de que uma negativa sempre vai funcionar. Quando eu digo ou um sub ligado a mim diz não ter interesse em uma prática, isso significa que naquelas circustâncias e momentos é fora de cogitação que isso possa acontecer entre as pessoas envolvidas. "Acordos" não acordados não prezam por esse princípio e podem machucar e expor as partes a situações de risco, e mesmo certas situações de risco estabelecidas como consensuais devem ser pensadas em seus limites. Entre sugerir a seus subs uma certa estética corporal e expô-los a situações de vulnerabilidade e perigo há um limite nem sempre claro, de modo que precismos estar atentos e sermos responsáveis.

Soa um pouco clichê e demasiado "desconstruído", mas as ideias de consensualidade e segurança são bases fundamentais, clássicas e atuais para qualquer prática BDSM. São elas que garantes o aspecto são de uma experiência. O que faz de alguém dominador talvez deva ser o grau de comprometimento e responsabilidade que ele demonstra ter com aqueles que se submetem e o respeitam, isso porque é sua função principal como criador de uma experiência, mas também porque acreditem ou não, não existe dominador sem submisso. Precisamos posivitar as nossas ideias de hierarquia e entender que mesmo um dominador só é dominador em certas situações e momentos que devem ser estabelecidos entre aqueles que cabem. No fim, se temos tantos dominadores atualmente, esse pânico numérico devesse ceder à ideia de que todo dominador é dominador para um certo alguém, não para todos. 

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Cordas - introdução e modos de usar

No conjunto de práticas que me interessa de forma mais íntima, o bondage é sem dúvidas aquela pela qual tenho maior predileção. De forma geral, bondage reúne una série de práticas e cenas nas quais o interesse é a contenção de alguém, sua imobilização e restrição ao movimento. Ao pensar em bondage é comum que a associação mais imediata seja com as cenas de captura, onde alguém está imobilizado. Em uma cena erótica, a imagem da imobilização é feita usualmente através de cordas.

Existem tantas formas como meios para executar bondage quanto a imaginação permitir. Se lembrarmos que o princípio básico é restringir o movimento, isso pode ser feito com auxílio de cordas, correntes, tecidos (lençóis e bandanas, por exemplo), algemas, além de fitas de alta resistência.

Corda em sisal (Paraíba, 2017)

Bondage, desde minha perspectiva, talvez seja o elemento mais sofisticado do BDSM, não apenas porque demanda um certo aparato de instrumentos para ser realizado, mas também porque para ser significativo e bem realizado requer que se abandone a lógica das sessões eventuais com pessoas aleatórias. Talvez você encontre algum prazer nessa dinâmica, mas nada substitui a possibilidade de se vincular a alguém e construir uma relação de confiança e intimidade que permita a adoção de práticas onde a posição indefesa e as lógicas de cuidado são tão profundas. Eu costumo dizer que amarrar alguém, seja por quais métodos forem, é entregar-se ao controle e aos interesses que nem está com o controle, é expor sua vulnerabilidade e se deixar ser cuidado. Isso requer confiança, intimidade e sensibilidade de ambas as partes, acordos claros e compromisso de cumpri-los.

O objetivo final de uma prática de bondage não costuma ser propriamente a imobilização; ao contrário, se trata de conter e controlar o parceiro a partir da imobilização. Imobilizar alguém é um meio para um fim alternativo, não o fim em si. O fim pode ser um castigo ou recompensa, disciplinamento, suspensão, exaustão física, controle de estímulos, enfim. A criatividade está aí no mundo pra ser explorada.

O propósito desse texto é introduzir alguns aspectos relativos às práticas de bondage e aqui minha atenção inicia recai sobre o elemento mais imediato de qualquer pessoa que pense nisso: as cordas. Vamos falar sobre alguns aspectos técnicos e de composição que dizem respeito a como elas são incorporadas em uma experiência fetichista.


O que é uma corda e como ela é feita?
A pergunta pode parecer boba, mas entender o que é uma corda é importante no contexto de práticas onde se demanda as propriedades que uma corda supõe ter. De maneira mais simples, uma corda é a combinação de fibras vegetais ou sintéticas que são torcidas e trançadas umas às outras. O objetivo da torção é aumentar a resistência da fibra, bem como seu cumprimento já que pequenos pedaços podem compor uma unidade maior.

A depender do tipo de fibra usada, a corda pode ter um tempo de vida maior ou menor. Quando se trata de fibras sintéticas, é mais comum que se utilizem combinações ou porções pura de nylon, poliéster e polipropileno. Já as fibras naturais incluem sisal, cânhamo, juta, algodão, juta e linho. Há também a possibilidade de fazer cordas secundárias, utilizado fibras trançadas para outros fins, como acontece com cordas de seda e cetim, usualmente feitas a com fibras produzidas para ser usadas como tecido e que podem ser trançadas com o aspecto estético e funcional de cordas.

Essas são as cordas que costumo usar com mais frequência. Aqui se vê cordas prontas e trançáveis.
Na sequência: tecido em cetim para trançar cordas, cordas em algodão 8mm, corda de poliamida e sisal.
Conforme o material utilizado para compor a corda, é necessário também a incorporação de outros procedimentos além da própria torção ou trançamento. Esses procedimentos podem ser prévios (como o cozimento da fibra e sua secagem) ou posteriores (quando precisa-se encerar os cordames ou mesmo a corda toda para nivelar a incorporação dos filamentos).

Tipos de corda
É comum que em termos técnicos as cordas sejam chamadas de "cordame", ou cabos. Isso se dá, geralmente, em função do contexto para o qual as cordas são usualmente produzidas em sua maioria: a pesca. Isso cria também as formas de classificação pelo qual elas são organizadas. Essa classificação é feita com base no diâmetro do cordame (usualmente indicada em milímetros) que pode ir de menos de meio centímetro até mais de quatro centímetros. Nesse contexto, são consideradas verdadeiramente cordas aquelas com diâmetro entre 1,3 a 3,8 cm. As menores que isso são chamadas de cordão, e as maiores de amarra.

Além da classificação em virtude do diâmetro, outra forma de classificar as cordas é em virtude das técnicas de torção ou trançado utilizadas na produção. Essa aliás é a primeira forma de divisão: cordas torcidas e cordas trançadas.

As cordas torcidas costumam ser compostas por milhares de filamentos que são ajuntados e retorcidos uns aos outros, criando assim uma maior resistência. A diferenciação entre esses tipos de corda é em virtude da quantidade de "pernas", o que pode ser percebido olhando as pontas.

As cordas trançadas são aquelas feitas através da composição da fibra e seu aglutinamento em um sistema de intercalamento. Aqui as formas de classificação interna são maiores: com ou sem alma (a depender do preenchimento do núcleo interior com algum filamento), com alma e alerta visual (caso de cordas que tem alguma função específica de sinalização, onde o padrão estético é parte das suas características) e cordas para fins especiais (em esportes como vela, escalada, ou em atividades marítimas e de pesca específicas). Caso queira saber mais sobre esse aspecto no caso de cordas para uso naval, confira esse link, aí estão ilustrados os principais tipos de corda e as diferenças entre elas.


Como escolher e encontrar cordas
Atualmente a maior parte das cordas que consumimos é feita para fins de pesca ou para compor mecanismos e equipamentos de construção, como roldanas e elevadores mecânicos simplificados. Isso, em alguma medida, nos ajuda a entender quais os limites uma determinada corda pode ter e sua adequação ou não para um uso entre pessoas humanas. Suponha que você vá a uma casa de construção em busca de uma corda. Para esse fim é comum que se adotem materiais sintéticos, que além de baratear o processo de construção da corda, também viabiliza resistência às altas cargas e necessidade de tração que esses contextos demandam. Contudo, quando se trata de uma artesania como o bondage, essas cordas sintéticas podem machucar, criar ferimentos e incômodo no corpo da pessoa amarrada.

Para práticas de bondage, é mais comum adotar cordas de juta, sisal, cânhamo e algodão. As de algodão são sem dúvidas as mais fáceis de achar, eventualmente as mais baratas além de possibilitar uma maior variedade em termos de coloração, criando efeitos estéticos interessantes. Na relação entre custo e benefício, elas tem uma durabilidade razoável, são fáceis de encontrar, resistentes e leves. As de juta, contudo, são as melhores cordas por agregarem um conjunto de qualidades superior, entre elas a resistência e conforto, mesmo que não sejam as mais baratas.

Os principais aspectos a se considerar ao escolher uma corda são o material e o diâmetro. Ambos quando combinados garantirão a segurança da prática. Nesse aspecto, esteja atento a de que forma você pretende usar e que tipo de corda é mais indicada. Quando se trata de fibra, as naturais são sempre mais indicadas. Aquelas confeccionadas com juta, algodão e seda são as mais usadas no contexto das práticas de bondage pois além dos efeitos estéticos, tem maior durabilidade e resistência. Considere que quanto maior a necessidade de resistência, maior terá de ser o diâmetro da corda, sendo assim, se é possível usar cordas com diâmetro restrito em práticas de imobilização simples, uma experiência de suspensão demandará diâmetros maiores e materiais mais resistentes.

Considere também o tempo de duração da exposição à corda. A torção e a marca da corda na pele ainda que seja excitantes podem incomodar após certo período a depender do material e do próprio nível de conforto da pessoa amarrada.

Uma última nota. Pode parecer incrível, mas as cordas não foram confeccionadas para nós. Os nós são a principal característica do uso fetichista em técnicas como kibanku oki, mas a depender da fibra no qual eles são feitos, ele reduz a resistência da corda em até 40%, de modo que é preciso estar atento ao equilíbrio entre material, uso, resistência e contexto.