terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Kinbaku - uma breve história do bondage japonês

Dando continuidade ao debate sobre técnicas de bondage, nesse post apresento uma tradução de um artigo publicado na Vice que sintetiza alguns aspectos da história e elementos do Kinbaku, ou como se costuma falar, o shibari. 

Apesar de eventualmente serem usados como sinônimos, essas duas palavras remetem a concepções diferentes sobre a expressão japonesa do bondage. Kinbaku é a transliteração da palavra japonesa  緊縛, que conforme os dicionários consultados é marcado como substantivo e refere-se a duas coisas: (a) em um sentido estrito, kinbaku é o efeito de algo que é amarrado de forma apertada, forte; e, (b), em um sentido mais amplo, ele se refere ao aspecto emocional de estar amarrado. Já shibari apresenta-se tanto como verbo e como substantivo. É a transliteração de  縛 que significa "amarra" ou "amarrar", agrupar algo a partir de uma ligação, conforme os dicionários.

As distinções entre shibari e kinbaku são importantes de serem apreendidas tendo em vista que, em sua dimensão mais precisa, a noção japonesa da prática tal como experimentada por essas pessoas diz respeito não apenas a um conjunto de procedimentos técnicos, mas de fato à construção de uma atmosfera onde uma certa experiência pode ser possível. O artigo apresenta algumas dessas questões. 

Assim como nas demais traduções, optei por fazer alguns recortes e reformulações quando necessário tendo em vista que o propósito aqui não é exatamente o mesmo daquele publicado pela Vice. Caso queira ler a versão em inglês, clique aqui. Considerando que o universo das sociedade e cultura japonesa podem ser um tanto distante para alguns dos leitores, tanto como possível tentei aproximar as referências, por vezes através de glosas ou adaptações de termos que fazem referência a momentos, contextos, pessoas e estéticas específicas, quanto através de links que podem encaminhar à visualização ou leitura a partir de outras fontes. Agora, divirtam-se!

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Uma breve história do Kinbaku

Alinhamentos rígidos, design complexos e nós que fariam qualquer marinheiro corar estão juntos na arte do Kinbaku, o bondage erótico japonês. A prática está presente em esculturas, performances e danças a dois; mais que isso, atualmente você não pode ser fetichista sem tê-la visto. Artistas e entusiastas tem adotado a prática, trazendo doses dela para o público através de revistas de moda e galerias de arte, por exemplo. Uma busca rápida pela hashtag #kinbaku no Instagram reporta uma rolagem extensa, com mais de 60.000 fotos marcadas.

Para o não iniciado, Kinbaku pode ser visto como a última tendência pop no BDSM, mas a tradição Kinbaku estende-se por séculos antes de chegar aos buracos e lastros mais pervertidos das redes sociais. Os antecedentes históricos incluem as representações na Shunga, a arte erótica japonesa usada como forma de educação sexual para recém-casados, assim como aparece também no Shijuhatte, a versão japonesa do Kama Sutra. A ilustração "O Sonho da esposa do pescador", datado  do início do século XIX e de autoria de Katsushida Hokusai, é uma referência icônica à arte japonesa dos nós em corda. Essa espécie de xilogravura bastante típica do ukiyo-e (traduzido em português como 'pinturas-brocado), uma forma de expressão dos modos de vida urbanos do momento, apresenta o êxtase de uma mulher tomada por um polvo. Os tentáculos do animal simultaneamente estimulam e se entrelaçam ao corpo da mulher, assemelhando-se a uma espécie de corda.

O sonho da esposa do pescador, Katsushika Hokusai, 1814

Assim como as ferramentas ocidentais de subjugação passaram a ser sujeito nas elaboração das fantasias, as cordas tiveram um padrão de expressão semelhante. As correntes usadas para ancorar donzelas em perigo nos contos de fada ocidentais encontram seu correlato na corda que subjuga os prisioneiros no folclore japonês. Em um texto central sobre o assunto, Master K, professor e autor do livro "The Beauty of Kinbaku" explica que shibari, o termo geral para a amarração em corda, teve uma miríade de práticas e funções decorativas ao longo da história do Japão, nas oferendas rituais xintoístas, nas competições de sumô e na tradição do quimono. Sua adoção em um contexto de prática erótica é simplesmente uma outra aplicação das cordas - uma ferramenta inextrincável da própria cultura japonesa. 
Durante a era Edo, a classe samurai dominante usava cordas em combate e para conter prisioneiros de guerra em uma arte marcial chamada 'hojojutso', uma prática brutal que tem alguma proximidade com o kinbaku contemporâneo. Naquele período, entre os séculos XVII e XIX, as leis criminais oficiais do xogunato Tokugawa usavam nós para torturar e exortar a confissão da cativos, assim como exibir supostos criminosos. Na exibição pública, correlacionava-se de forma legível o tipo criminal e a amarração a ser utilizada na administração da pena, de modo que se criar uma advertência clara para a multidão de observadores. 
No começo do século XX, o teatro kinbaku começou a adotar nós em corda em uma forma estética e performática elevada, apresentando os primórdios disso que hoje reconhecemos como kinbaku. A técnica do hojojutso foi reimaginada, assim os atores poderiam recriar os movimentos de forma segura no palco, resenhando-a em uma estética mais encorpada e dando ao público uma experiência visual mais proeminente.
Após a Segunda Guerra Mundial, as revistas fetichistas nos dois lados do Pacífico passaram a apresentar registros provocativos de kinbaku, primeiro em ilustração e depois através de fotos. Revistas populares como Kitan Club e Uramado eram trocadas com os mastros fundadores do underground americano, como a revista Bizarra, começando a polinização cruzada entre duas culturas fetichistas do globo, o que persiste até hoje. 
"Ten tied woman", dez mulheres amarradas, ilustração de Kitan Reiko.
A ilustração compõe uma das edições da revista Kitan Club, datada de 1952

Para um olho não treinado, no fim o Kinbaku não parece tão diferente daquele de suas raízes nas práticas de tortura; contudo, adeptos exaltam as virtudes e prazeres do "sub space" no qual um parceiro submisso acessar um estado meditativo altamente terapêutico - encontrando assim, como mencionado por muitos entusiastas dizem, libertação na restrição. "Quando feito de maneira adequada, kinbaku não é doloroso. É completamente sensual", diz Master K em uma entrevista. Conforme argumenta, a prática estimula zonas erógenas, liberando endorfina e dopamina para o cérebro de modo que, continua, "você pode sair de uma sessão de kinbaku sentindo cada parte sua relaxada assim como se tivesse acabado de sair de uma sessão de hot yoga".

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