terça-feira, 23 de abril de 2019

when you mark someone

The idea of marking goes through every BDSM experience. We talk about them directly or indirectly when we focus on our interest in permanent or momentary marks in our experiences. We also talk about it while feeling the texture of ropes on our skin in bondage, or with a paddle or fingers after a spanking session. It is present as subtle marks that the wax leaves behind on body. These are marks that look like a scar falling apart when we take a shower after a session that involved bodywriting, or even in the cold of needles, catheters and other objects that cross, sew and pierce. These marks are a bodily way of talking about another dimension of the marks we left. This dimension is that of the relationships we build with the people who serve us or who we are serving.

In one of the last texts written here, I said that ultimately there are no dominants without their submissives and servants. Whatever aesthetics you think you are performing as dominant one (caretaker, leather, sadist, controller), this position only makes sense in a particular relationship that involves the expectations and possibilities you have with other people. From my point of view, this is because submission per se is subservience as much as domination per se is arrogance. Nobody does it alone.

In my personal experience, the last few days have been marked by events that make me think about this idea of ​​marking someone. It's been times of farewells, of breaking relationships, releasing collars and letting people go elsewhere, accompanying them in the distance. It is the time of making knots that are looser. And this echoed in me as a sort of obligation to think about which marks I give to the people who came to me, and what it eventually means. I'll illustrate this with a little story.


Sepher, 2019


From May to December 2018 I maintained a fixed relationship with a sub. In general, he was described as a cold and distant person. And in fact, in the beginning, gain his confidence was hard! It required patience, conversation and even a lack of interest in making it a goal. In other words, maybe it was a goal, but one goal among many others. We spent some time together, talking, eating, sharing each other's company. This detachment and coldness were described by other dominants with whom he had contact. What these dominants might not have known was how this ice wall was being built in his experience and how it affects other actual experiences.

Being with him was one of the most thought-provoking and constructive experiences of my domineering experience. This is because, in our disinclination to anticipate agreements and contracts, we had time to build a relationship that really made sense within the universe we inhabited. Things were happening in their time, they had the duration and the intensity that, looking from now on, seems to me to be the ones that I demanded to have.

After the electoral period, he decided to return to his home city and live back with his family. I was fortunate to be one of your last visitors here, almost by accident. In January we said goodbye and he went another way.

In telling this I do not want to pretend to be superior to these others dominants. Rather, I wanna illustrate how hurry makes us distance from people we care about. By giving time to know someone else's story, we not only allow ourselves to know this particular person but also create a more fertile environment for our desires and fetishes. It is about intimacy, and each relation requires a certain quality of time to be truly meaningful.

It is not always the heavy hand or tight knot that hurts, or as my mother used to say, indifference is the queen of barbarism. There are many reasons why someone comes into the world of BDSM and explores the limits of desire and body through strength and pain. As regular people, there are in many of us that lived painful experiences. And these experiences activate many layers of meaning when you must remember. These are layers of fear, of passion. Some of us are prepared to remember, and others may no, so we need to construct a way to pass through these memories. I am convinced that the interest in strength for the majority of people I have known is more the possibility of recognizing oneself in an environment where the boundaries are clear than in a toxic and harmful logic of transforming suffering into excitation. However, this has an effect that needs to be better equalized in our relationships. 

Being with someone, for whatever moments, is being responsible for a relationship. When we cross that boundary of the other's world, we also become part of this world. In this common world, the boundaries may even be clear in terms of limits established about strength and violence, freedom and servitude. But pain and pleasure, humiliation and glory, marks and scars continually overlap this idea of controlled limits. We invariably leave marks on the bodies of others just as others leave their own on ours. Anyway, even using force, one must have some delicacy when it comes to walking among the pains of others.

Anyway, that's it. Nobody does it alone.

As marcas que deixamos

A ideia das marcas atravessa toda experiência de BDSM. Falamos sobre elas direta ou indiretamente quando nos posicionamos sobre nosso interesse em marcas permanentes ou momentâneas, em nossas experiências quando sentimos a textura da corda marcada na pele, de uma palmatória ou dos dedos após uma sessão de spanking, das marcas sutis que a cera deixa no corpo. São as marcas que ficam como uma cicatriz que se desfaz quando tomamos banho após uma sessão ou cena que envolve bodywriting, ou mesmo no frio das agulhas, dos catéteres e outros objetos que atravessam, costuram e perfuram. Pensar nessas marcas é uma forma mais ou menos corporal de falar sobre outra dimensão das marcas. Essa dimensão é a das relações que construímos com as pessoas que nos servem ou aquem servimos.

Em um dos últimos textos escritos aqui, há pouco mais de um mês, eu falava que em última instância não existem dominadores sem seus submissos e servos. Seja qual for a estética que você pense para si enquanto dominador (cuidador, couro, sádico, controlador, enfim), essa posição só faz sentido em uma determinada relação que envolve as expectativas e as possibilidades que se tem junto a outras pessoas. Isso porque, do meu ponto de vista, submissão per si é subserviência tanto quanto dominação per si é arrogância. Ninguém se faz sozinho.

Os últimos tempos  pra mim tem sido marcados por uma série de eventos que me fazem pensar nessa ideia de marcas. Tem sido tempos de despedidas, de desfazer relações e deixar que as pessoas sigam para outros rumos, acompanhá-las ao longe e liberar coleiras, fazer nós que sejam mais frouxos. Isso tem ecoado em mim como uma espécie de obrigação de pensar sobre quais marcas deixo nas pessoas que chegaram a mim e o que isso eventualmente signifique. Vou ilustrar isso com uma pequena história.

Sepher, 2019 

Entre maio e dezembro de 2018 mantive uma relação fixa com um sub. Em geral ele tendia a ser descrito como frio, distante. E de fato, no início conquistar a confiança dele foi um exercício penoso, que exigiu paciência, conversa e até um certo desinteresse em fazer com que isso se tornasse uma meta. Melhor dizendo, talvez fosse uma meta, mas uma entre tantas. Passávamos algum tempo juntos, conversando, comendo, partilhando a companhia um do outro. Esse distanciamento e frieza era descrito por outros doms com os quais ele teve contato. O que esses doms talvez não soubessem, o tivessem pouco interesse em saber era como essa parede foi se construindo, quiçá apressados que estavam com qualquer outra coisa.

Estar com ele foi uma das experiências mais instigantes e construtivas da minha experiência como dominador. Isso porque na nossa displicência de antecipar os acordos e contratos, tivemos tempo de construir uma relação que realmente fez sentido dentro do universo em que habitávamos. As coisas iam acontecendo no seu tempo, tinham a duração e a intensidade que, olhando de agora, me parece que foram as que demandava ter.

Após o período eleitoral ele resolveu voltar para sua cidade de origem. Tive a sorte de, quase por acaso, ser uma das suas últimas visitas ainda aqui. Em janeiro nos despedimos e ele seguiu um outro caminho. 

Ao contar isso não quero ter a pretensão de me colocar como superior a esses outros, mas antes de falar sobre como a pressa às vezes nos afasta das pessoas. Ao dar tempo pra conhecer a história de alguém não apenas nos permitimos conhecer alguém, como também se cria um ambiente mais seguro e fértil para que nossos desejos e fetiches tomem forma. 

Nem sempre é a mão pesada ou o nó apertado que machuca, ou como dizia minha mãe, a indiferença é a rainha da barbárie. Há muitas razões pelas quais alguém chega ao mundo do BDSM e explora os limites do desejo e do corpo através da força e da dor. Há em muitos de nós, na condição de pessoas, o contato com experiências doloridas, com memórias que ativam muitas camadas de significado, de medo, de paixão. Tenho a convicção de que o interesse na força para a maioria das pessoas que conheci é mais a possibilidade de se reconhecer em um ambiente onde os limites são claros do que em uma lógica meio tóxica e danosa de transformar sofrimento em tesão. Contudo, isso tem um efeito que precisa ser melhor equalizado em nossas relações. Estar com alguém, por momentos que seja, é ser reponsável por uma relação. Ao atravessarmos esse limite do mundo do outro, nos tornamos também parte desse mundo onde os limites podem até ser claros, mas dor e prazer, humilhação e glória, marcas e cicatrizes se sobrepõem continuamente. Invariavelmente deixamos marcas nos corpos dos outros, assim como os outros deixam as suas próprias nos nossos. Enfim, mesmo usando da força, há que se ter alguma delicadeza quando se trata de caminhar entre as dores dos outros.

Enfim, é isso. Ninguém se faz sozinho.